Os dois estão lá. Proseando. Conversa vai, conversa
vem, potoca acaba nunca. Entender amizade deles quem há de? O mais novo é
menino forte que ainda não chegou aos treze. O mais velho, homem erado, passado
dos cinqüenta, mas já com cara de setenta. Vive numa sozinhês de fazer dó. No
rancho de taboca barreado, coberto de sapé e chão de terra batida. Só ele, o
cachorro, a gata e umas galinhas magrelas. Pobreza muita. Perrenguesa também.
Velho quase não pode mais pegar no guatambu. Vive do adjuntório da vizinhama e
com os breguetes verdes que consegue plantar no cercado em roda do rancho.
Magro, muito magro. Até meio encurvado. Cabisbaixo. Esperança indo embora,
fugindo dele como água por entre os dedos.
- Vida boa não, fio. Já foi tempo. Com idade
sofrimento chega. E quando cê num tem companhia a coisa piora. Fica insonsa a
vida.
- Mas por que o senhor mora sozinho?
- Num é por querença minha não, fio. Faz tempo qu'eu
tinha minha casa, minha muié e meus fio. Uma famiage bonita...
* * * * *
Qualquer serviço para ele era bom. Refugar de algum
pra quê? Roçava pasto e capoeira, derrubava mato, arrancava toco, capinava,
fazia cerca, carriava, tocava boiada, amansava boi, tirava leite, o que
aparecesse. "Home que é homem injeita trabaio não". Importante era
fazer tudo direito para trabalho não faltar. Tantão de gente para encher a
pança. A sua Lilica ainda bonitona, o Agapito, a Cremilda, o Onofre, a Zina, a
Aurora... Filinha de filhos. Sem contar dois que cufaram cedo. Dono da farmácia
na cidade falou que foi por causa do barro do brejo. Colocado no umbigo deles
para curar. Fez foi matar. Mal de sete dias.
- Portança não. Deus sabe o que tá fazeno. Inda
sobrô cinco. Deus dá, Deus cria. Quando num qué ajudá, mata cedo.
Zé Rosa não era muito conformado com esse negócio de
destino. Nasceu para ser pobre, mas não deixava de ser teimoso com a pobreza da
vida. De tanta teima é que vivia. Não podia dar o braço a torcer. À cidade,
para comprar alguma coisa, ia cismado. Queria ser tratado como trouxa por
ninguém não. Um dia foi ao médico. Arrumar o braço torto. Quebrara. Pau caíra
em cima. Enfrentou fila de hospital. Paciência de roceiro...
- O senhor é da roça? Perguntou-lhe o médico, todo
superioso.
- Não, sô dotô. A roça é que é minha!
- Quero saber é se o senhor mora na roça!
- Não, sô dotô! Moro ritirado da roça umas deiz
braça! Num é na roça memo não!...
Médico calou a boca. Continuou com a mesma idéia.
Roceiro é mesmo ignorante. Não entendeu a sabedoria do caipira. Encanou de má
vontade o braço do Zé Rosa. Tinha que ficar um mês de castigo o pobre homem. Só
agüentou quatro dias. Pegou faca e tirou tudo. Agoniava aquele engessamento.
Continuou com o braço torto. O esquerdo.
Vida ia indo. Tintiando. Zé Rosa malemá garantia o
sustento da cambada. Braço torto atrapalhava trabalho não. Lilica punha ordem
na casa.
Filharada crescendo. Perrengues, desvitaminados,
pançudos... Pai rude, mas carinhoso. Falta de escola era problemão. Todos
analfabetos. Como o pai e a mãe.
- Lilica, nóis tem que botá os minino na iscola, sá!
- É, Izé... Tem memo!
Ficava nisso. Providência nenhuma. Escola na cidade.
Longe. No pé da Serra do Urubu, lá onde o vento sempre encostou o cisco.
Molecada tinha que ir agüentando o analfabetismo. Sem saber se ruim ou se bom.
- Lilica, cumé que nóis fais, sá? Eles num pode ficá
igualmente nóis não, uai! Têm qu'istudá pra sê arguma coisa na vida!
- É, Izé! Tem memo!...
Numa tardinha, os dois proseavam no terreiro. O sol
sumia num clarão avermelhado tingindo de sangue o mundo. Passarinhos ainda
cantando no galho da goiabeira procurando canto sossegado. Ao longe, o piado do
inhambu choroso e duma siriema desgarrada. Lilica, montada num toco de
gameleira, lisinho de tanta esfregação. Ao lado, um canteirinho de pés de
beijos dobrados. Floridos. Cores vivas e variadas. O companheiro, dicocado,
fazendo cigarrinho de palha. Molecada correndo pra lá e pra cá. Zé Rosa acende
pitinho com um foguinho custoso tirado da binga. Puxa aquele fumaceiro, sentindo
o gostinho bem lá no fundo da goela. E solta tudo numa baforada só. Até
pensamento inseguro e sofrido de tanto remoer:
- Lilica, nóis vai fazê iguá todo mundo, sá! Roça tá
raliano... Terra tá fraca... Tem inchente... Os dono só qué gado... Nóis vai
pra cidade! Os muleque têm qui'í pra iscola, sá!
- Tá bão, Izé, nóis vai... Mas cumé qui'a gente vai
cumê? O que qui'ocê vai fazê lá? Ocê só sabe prantá roça, sô!...
- É muié! Isso é verdade! Mas a gente dá um jeito.
Os minino num pode ficá sem istudá!... Gapito já tem treze ano!... Eles têm que
vencê na vida!... O tranco na roça tá duro... Quero isso pr'ês não!...
- É Izé, cê tá certo.
Passa um mês e Zé Rosa, com sua turma, tá lá
arrumando a muquiça dentro de um carro de boi emprestado. Molecada alegre de ir
pra cidade. Lilica não. Zé Rosa também tá triste. Queria mesmo era ficar no seu
cantinho. Olhou mais uma vez pro ranchinho. Apanhou umas flores. Jasmim
cheiroso mais uns galhinhos de arnica e manjericão. Enfeitou a canga dos bois
de guia. Olhos merejando. E, resoluto, sem mais olhar para trás, tocou pra
cidade.
Vida nova. Casinha apertadinha no canto da rua, num
canto da cidade. Os moleques, em pouco tempo, todos na escola. Iam ter leitura.
Sonho do pai. Analfabeto, mas previdente e sensato.
- Meus fio, a iscola é pra aprendê pra vida. É só lá
qu'ocêis pode virá arguém na vida. Eu num posso dá nada pr'ocêis não, pra mode
que num tenho nada. Mas comigo cêis aprendero a sê honesto. Sê bão. Sê
bedecedô. Num é pra mudá não, viu? Respeita todo mundo. Num briga, num cria
ingrizia... Só istuda. Quero pr'ocêis o que num tive por farta de purtunidade
na vida...
Trabalho na cidade Zé Rosa não achou. Voltou pra
roça. Sozinho. Pegando empreitadas. Arrancando toco, roçando pasto, derrubando
mato, tocando boiada... O que sabia fazer. Comida preparava de madrugada.
Engolia aquele grude quando dava fome. Dormia sob uma lona velha armada debaixo
de alguma árvore, num canto qualquer. Em dias de chuva fazia choça de sapé.
Solidão quissó. Mas tinha que ganhar uns cobrinhos para manter a turma na
cidade e na escola. Diversão nenhuma. Escravo. No domingo ia ver a família.
Saber das novidades. Sentir o progresso dos filhos. Idinha à igreja. Roupinha
de ver Deus. Missa. Ouvir do padre palavras bonitas que faziam sonhar para
esquecer realidade tão dura.
O tempo passando. E Zé Rosa teimando com a pobreza
da vida.
Uma das suas maiores alegrias era, aos domingos,
reunir a molecada em volta de si para saber da vida deles na escola. Maneira de
contribuir para incentivar os filhos, embora entendesse nada daqueles
garranchos.
- Pai, já sei lê o aeiou! Óia'aqui, ó: a-e-i-o-u...
- Muto bão, Gapito! Tô gostano de vê! E ocê Orora? O
que qui'ocê sabe iscrevê?
- Já sei fazê o "A" do meu nome, pai. Meu
nome é Au-ro-ra, viu?...
- Tá certo, fia... É qui o pai num sabe falá
direito...
Assim os papos com os filhos. Saudade, mesmo estando
com eles, já apertava. Pensar que na segunda cedinho tinha que ir pras suas
empreitadas. De vez em quando arrumava trabalhinho na cidade. Furar uma
cisterna. Capinar um quintal. Cortar uma árvore. Pintar uma casa. Caiar o
cemitério... Tudo topava, apesar da opinião contrária do Juca Travinha:
- Dianta não, Izé! Povo da cidade só qué o sangue da
gente. Ocê trabaia e ninguém dá valô. Paga uma miséria...
- Isso é memo, Juca. Mas quando posso ficá'aqui acho
mió. Fico perto dos fio. Gosto de vê eles cresceno... Quando tô longe tanta
coisiquinha acontece e ieu num participo, sô!... Num quero minha cambadinha
cresceno igual fio sem pai não... E tem a Lilica, Juca! Num falo pr'ela não,
mas quando tô lá no mato sozinho, sem ninguém nem pra conversá, ieu só penso
nela, uai! Gosto dimais dessa danada, sô!
- Uai, Izé, depois de véio deu pa tê treta?
- Véio nada, rapais... Tô bão ainda, cê nem carcula!
Necessidades aumentavam dia-a-dia na cidade.
Despesas cada vez maiores. Lilica passou a dar demão. Dureza no tanque. Lavando
roupa. Mulher do prefeito, a principal freguesa no começo. Depois Lilica passou
a trabalhar só para ela. Semana todinha, de segunda a sexta, segunda a sábado,
segunda a segunda, tava na casa da dona Zulmira. Lavava, passava, cozinhava...
Qualquer coisa topava. Até gracinhas do prefeito, homem que enricara rapidinho
depois que tomou conta da prefeitura, ela passou a aceitar.
E Zé Rosa, teimando com a pobreza da vida,
continuava dando duro nas empreitadas enquanto Lilica convivia com as durezas
da cidade. Às vezes ele pegava um serviço longe, bem longe. Só vinha em casa a
cada quinze dias. Se arrumasse carona. A pé não dava. Cavalo não tinha. Saudade
dos filhos recurso era esperar enquanto aumentava.
Vida ficando cada vez mais arrochada. Carestia
braba. Quanto mais o tempo passava, maiores as necessidades. Maiores as
dificuldades. Dinheiro dava pra nada. Trabalhava cada vez mais. Tinha cada vez
menos para comprar o de comer e o de vestir para os filhos.
- Lilica, tô güentano mais não, sá! Óia que trabaio
dia inteiro, sem discanso, cumeno cumida quentada, mal feita, que mais parece
grude, aquele patetê danado... Fico longe d'ocêis dia e mais dia, com minha
sodade supitante... E tá diantano? Nada! Só vejo miséria na vida. Tá tudo
errado neste mundo. Uns têm tudo, otros nada... O repartimento tinha que sê
mais mió...
- Ih Izé, larga de quexume, sô!
- Cê num tá veno, muié? Parece que num inxerga?! Tá
tudo errado memo! Tem gente isplorano gente! Quem pode mais come o figo dos
otro... Isso num é vida, Lilica!...
- Num é vida o quê, home! Tá até bão dimais! Munto
mais mió que si nóis tivesse ficado lá na roça!...
- Pode tá mió pr'ocê! Pra mim não! Ocêis tudo anda
isquisito cumigo!... Mi trata cum pocaso! Ocê
memo num liga mais pr'eu, sá!...
- A não, sô! Larga de bobage!
- Bobage, né? Ocê mudô, Lilica! Num é mais aquela
muié dedicada... Cuidadosa dos fio... Ocê abandonô nóis!... Só veve no bem-bão
na casa daquês grãfino!...
- Ih, lá vem chororô! Vai caçá sirviço, sô! Vai pras
suas impreita e me dexa sussegada!
Zé Rosa calou. Lilica muito alterada. Não entendia
porquê. Foi aprontar sua trouxinha pra, no outro dia, madrugadinha, cair no
mundo. Procurar serviço.
Meninos tinham trabalho não. Cidade pequena. Criados
ao Deus dará. Sem o pai que olhasse de perto por eles. Sem a atenção e o
carinho da mãe, cada vez mais distanciada. Começaram a aprender coisas. Agapito
malandrava. Dezessete anos. Andando pra baixo e pra cima. Companheirama
esquisita. Aprendeu a beber. Canjebrina da pura. Fumar também. Rapidinho.
Escola deixou de freqüentar aos poucos.
- Já sei lê, pai! Chega! Leitura num dá camisa pra
ninguém! Quero vivê a vida...
- Mas, Gapito...
- Pai, num dianta querê me mudá! Ocê tá por fora! Já
era!
Doeu o coração de pai. Não sabia o que fazer, como
colocar no coração do filho novamente a sementinha para crescer o amor, o
respeito, a humildade...
Cremilda tava mocinha. Franzina, mas bonitinha.
Começava a chamar a atenção da rapaziada. Vergonha de andar com as roupinhas
surradas de sempre. Passou a observar como a mãe ultimamente estava sempre bem
arrumada só porque trabalhava na casa do prefeito. A vontade de vestir umas
roupinhas melhores, andar mais bonita, fez Cremilda procurar trabalho na
abastança. Deu duro quase um mês. Lavando roupa, cozinhando, encerando,
passando escovão, limpando vidro... Não era mole não. Na véspera de completar
um mês saiu de lá soltando fogo pelas ventas. O filho do ricaço encantoou a
menina. Só os dois em casa. Rapaz tirou vestido dela, assim bem na marra. Tirou
mais o que quis. Pegou e alisou Cremilda em tudo quanto é canto, enquanto ela,
ainda toda donzela, esperneava, mordia e gritava.
- Deixe de sê boba, menina! Experimenta procê vê
como é gostoso! Tenho dinheiro! Se ocê topá, te dou o que quiser!...
Cremilda resistiu tanto até que escapou. Nunca mais
voltou ao emprego. Nem para receber minguados trocados a que tinha direito. A
experiência deve ter despertado nela algum desejo escondido. Só pode. Uma
semana depois, bem no escurinho da Rua do Beco, ela, que não gostava nem de
namoricos, estava na maior esfregação com o filho doutro ricão, dentro dum
fusca vermelho.
Pouco mais de um ano depois Cremilda já tinha as
roupas com que sonhara. E sem aquela dureza do trabalho. A convivência passou a
ser com outras durezas. Por pouco tempo, enquanto durava o viço da mocidade.
Onofre, o terceiro filho, ia indo na escola. Ao
mesmo tempo aprendia o ofício de mecânico. Chegava em casa todo cheio de graxa
e de óleo queimado. Mas com algum dinheirinho no bolso. No começo comprava
livro, um caderno e até alguma roupinha. Mas também, como o Agapito, aprendeu a
fumar. E na porta da escola começaram a aparecer uns caras vendendo uns
cigarros diferentes que davam uma sensação estranha. "Um barato",
diziam eles. Onofre embarcou nessa e logo, logo, a escola não mais interessava,
os livros também não e os poucos amigos que tinha, sumiram. Virou escravo
daqueles malditos cigarros e passou a roubar a fim de conseguir dinheiro para
comprá-los. Cada vez mais caros.
Zina, aos treze anos, já estava mocinha. Puxou a
mãe. Forte, bem desenvolvida, era a sensação daquele canto de rua. Vaidosa.
Aprendeu que quanto mais provocante se fizesse, mais sucesso teria. Gostava de
sentir os olhos dos homens pregados nela, nos seus peitos, no seu traseiro,
quando passava na rua. Dengosa e requebrante. Cavando, inocentemente, com o
corpo, os espinhos para o resto da vida.
- Essa menina tem futuro! Previa um.
- Vai sê boa assim lá nos quinto dos inferno!
Suspirava outro.
- Eu montado numa ema dessas, atravessava as campina
da Emigê em três pinotes! Gracejava um terceiro.
Zina ria e alimentava as esperanças dos amigos, dos
bêbados, dos boêmios, dos solteiros e dos casados daquele canto de rua. Até que
passou a ser conhecida em toda a cidade. Muitos machões havia dispostos a qualquer
coisa para ter a Zina para si. Nem que fosse por uns momentos. E ela dava
esperanças a todos ignorando um por um.
Aurora, que o pai teimava em chamar de Orora, vivia
só de casa para a escola e vice-versa. De vez em quando ia à igreja. No começo,
gostava de fazer companhia ao pai, nos domingos, quando ele ia à missa. Para o
Zé Rosa era motivo de orgulho ir rua a fora segurando na mão da sua Orora,
trocando com ela conversas cheias de carinho. Mas fora isso, já aos doze anos,
ela estava também aprendendo umas manhas com as irmãs. Tudo que acontecia com
as duas maiores ela ficava sabendo. E guardava.
Zé Rosa, mesmo de longe, assim meio de surpresa, ia
vendo as transformações na família. Sentia, sem saber explicar, que as coisas
não iam bem. Os filhos, sem que notasse direito, estavam outros ficando.
Estranhos. Lilica não parava em casa. Ele também, sumia pros matos e só voltava
aos domingos. Quando voltava. Cheio de amor, cheio de saudade. Mas era bem
recebido mais não. Domingo havia que nem via os filhos todos. Cada um prum
canto. Mulher não ligava mais pr'ele. Tava andando bonita, a danada. Roupas
novas. Num domingo, ainda bem cedo, o prefeito veio buscar a Lilica em casa. De
carro. Fazer um trabalhinho para ele. Extra. Zé Rosa, naquele dia, nem chegou a
trocar duas palavrinhas com a mulher.
- Vô na missa não, pai. É sempre a mesma coisa!
Aurora também estava mudando. Começou a ter vergonha
de andar na rua com o pai. Matuto. Velho. Sem dentes. Mãos duras de tão
calejadas. Roupa mulambenta. Mal costurada. De uns tempos para cá ele mesmo é
que fazia os crafetos na sua roupa. Lilica tinha mais tempo pra isso não.
O homem tava abafado. Amargurado. Coração doía
quando pensava na família. Todos os laços que os uniam se quebrando. E ele
impotente para fazer alguma coisa. Não conseguia mais conversar com os filhos.
Achavam-no ultrapassado. Queriam era estar na crista da onda. Seguir o ritmo de
vida dos bacanos. Fazer o que viam nas novelas. Lilica ganhara uma televisão do
prefeito. Pela dedicação dela. O presente revolucionou ainda mais a vida de
todos naquela casa. Trouxe novos costumes, hábitos diferentes, outras
necessidades e até um palavreado novo. Zé Rosa entendia tudo cada vez menos.
Começou a deixar de sentir vontade de voltar para casa. Saudade dos filhos tinha
muita. Mas daqueles que ele tinha antes. Alegres. Brincalhões. Respeitadores.
Humildes. Obedientes. Saudade da mulher também. Mas a bisca tinha tanto tempo
que não queria saber dele... Será porquê? Ele ficava pensando... pensando...
Certa vez o Juca Travinha quis preveni-lo:
- Ó Izé, abre o ôio, viu? Esse prefeito é muito do
safado! Tem mais de cinqüenta mas inda é chegado numa priquita...
- Bobage, Juca! Lilica tem a cabeça no lugá!...
Zé Rosa falou isso sem convicção. Não tinha mais
certeza de nada. Era todo dúvidas...
- Mas fica de ôio, Izé! Quem avisa amigo é...
- Tá bão Juca!...
Ele não tinha como ficar de olho. O trabalho não
deixava. E não queria que fosse assim. Precisava confiar na sua mulher. A dor
que dói mais é a dor da desconfiança. Preferia não sentir dor e ainda confiar.
* * * * * * * *
* * * * * * * * * * *
Havia uns quatro ou cinco anos que ele aparecera por
aquelas redondezas. Sumia uns tempos. Voltava. Sumia de novo. Mas sempre
rodeando. Pegara uma empreitada do João Garrote e não deu conta de terminar.
Doença. Não tinha quem cuidasse dele. Só no mundo. Povo da roça juntou e
levantou rancho pra ele. Sem amigos, sem visitas e sem visitar ninguém. Pra
todo mundo era um velho misterioso, com cara de poucos amigos. Sem história.
Isso dava motivo a que o julgassem de várias maneiras e por aqueles rincões
corriam histórias e mais histórias sobre o velho que morava no rancho atrás da
igrejinha. Chamaram-no Zé do Rancho.
- Foi ladrão na cidade grande. Só pode. Teve que
fugir com uma mão na frente e outra atrás. Por isso é que não tem nada...
- Que nada! Ele é mesmo é criminoso. Deve ter matado
alguém, sumiu no mundo e caiu aqui. Como não quer ser descoberto, não conta pra
ninguém quem é, de onde é e nem de onde veio.
O que salvava o velho dessas histórias era o
testemunho sensato do João Garrote.
- Não, gente! Ele pode ser o que for, mas é
trabalhador. Quando chegou em minha casa pedindo serviço, era um homem das mãos
calejadas, com a pele queimada do sol. E entendia de qualquer serviço. Desgraça
foi aquele braço torto começar a inflamar e a inchar. E aquela tosse seca que
apareceu depois... Óia, ponho minha mão no fogo por ele!...
- Ele tem um braço torto?
- Tem, dona Milda! Torto e inflamado! Parece zipela!
- É o direito ou esquerdo? Perguntou, novamente
curiosa, a fazendeira.
- O esquerdo, dona Milda! Respondeu solícito o João
Garrote.
- E óia, dona Milda, aquilo que o velho tem num é só
tosse seca não, viu? Já vi ele até escarrando sangue. O negócio pr'ele num tá
bão não!... Vamo tratá dele, mas de longe. Pode ser doença ruim...
Dona Milda ficou uns instantes com o pensamento
longe até que decidiu:
- É gente... Nóis num pode abandoná o véio assim!
Não se faz isso com um semelhante. Eu nem conheço esse velho. Nunca o vi. Mas
acho que a gente não deve deixar ele assim ao deusdará. Vou mandar o meu
Quezinho levá leite pr'ele toda manhã. E quando ele precisar de alguma coisa,
mando pre'ele. Se a doença piorar, mando remédios e vou até lá, se for o caso.
Dona Milda tinha ficado emocionada.
- Óia, dona Milda! Tira o Quezinho dessa
história!...
- Não! Tiro não! Faço o que acho certo! Esse coitado
já tá velho. Deve ter errado muito na vida! Mas quem não errou? Eu mesma já
errei... E muito...
A fazendeira disfarçou o olhar para que a turma da
roda não a visse colher duas lágrimas escapulidas.
Quezinho ficou na história. De manhãzinha tava lá
com o leitinho pro velho. No começo, com medo. A fama de mal encarado e de mau
elemento do homem era grande. Mas, aos poucos, o menino foi vendo que era só
fama. O velho era gente.
- Dia!
- Dia, fio!
- Cumé qui vai?
- Tintiano, fio! Tintiano...
Assim foram as primeiras tentativas de aproximação.
Nenhuma rejeição. Podia chegar mais.
- Oi sô Izé, tá frio hoje, né?
- Pois é fio! Passei a noite toda acordado. Febre...
Tosse... Essa gripe num me larga!...
- O sinhô passô frio?
- É... Frio... Tive muito frio! Até um foguinho tive
que acendê pra'isquentá os pé e as mão. De madrugada. Meus seca-poço tão valeno
de nada...
De tarde Quezinho chegou com um cobertor e uma
colcha de lã mandados pela mãe. Velho ficou tão feliz e agradecido que chorou.
E soltou a palavra com o menino. Prosearam muito. De tudo quanto é coisa. Aí é
que começou deveras a amizade.
- É fio, fico muito sozinho. Num tenho nem com quem
conversá!
- O sinhô qué qui'eu venha mais aqui?
- Vem fio! Vem!...
- Num importa de sê amigo dum minino?
- Não, fio... Cunversá cum minino igual ocê me
alegra a vida... Me dá sodade... Sodade dos tempo véio...
A conversa parou aí. O velho não falou mais. Parecia
engasgado. Olhos cheios d'água. Saiu para procurar ovos das galinhas magrelas.
Quezinho foi embora. Com dó. Triste também. Como
pode uma pessoa chegar naquela idade e não ter mais ninguém? E porque Zé do
Rancho chorou quando falou em saudade? Mistério.
Depois de alguns meses os dois eram grandes amigos. Nada de
confidências. Mas amigos. Todos os dias, pela manhã batiam um longo papo e o
menino colocava o velho a par do que acontecia pelas redondezas. Mas Quezinho
via com tristeza a tosse do amigo piorar cada vez mais. Plastras de sangue
escarrado espalhadas pelo chão. Depois começou a sair sangue vivo, vermelho.
Menino estranhava. Contava pra mãe não. Ia ficar preocupada e poderia proibi-lo
de visitar o amigo. Eles, pensava o garoto, quase que só tinham um ao outro.
Desde que o pai fora embora Quezinho não tivera mais amigos. O pai o abandonou
com a mãe, deixando um vazio em sua vida. Largou pros dois as terras com umas
cabeças de gado. O pai era boiadeiro.
- Montesquieu, vô'imbra fio! Um dia vorto pra te vê.
Cuida da sua mãe...
Nunca mais viu o pai. Mas guardou a imagem daquele
homem a quem tanto amava, sumindo bem devagarzinho, na curva detrás da
igrejinha. Sem olhar para trás. Montesquieu não chorou. Entendia patavina o que
estava acontecendo. Só tinha sete anos. Dois anos depois nasceu sua irmãzinha,
a Josina. Quezinho, cujo nome correto ninguém sabia pronunciar na roça,
guardou, contudo, algumas interrogações.
Numa manhã o menino chegou à casa do amigo e o velho
não tinha ainda se levantado. Voltou para casa com a pulga atrás da orelha.
Isso nunca acontecera. De tarde Quezinho voltou. Zé do Rancho tava no terreiro,
meio deitado no banco de tábua. Não dizia coisa com coisa. Variava. Camisa suja
de sangue que escorria da sua boca. E do braço inflamado, estendido, saia um
sangue escuro. Quezinho correu para avisar a mãe.
A mulher esperava há muito por essa oportunidade.
Sonhara com isso. Queria ver o Zé do Rancho. Falar com ele. Fazer perguntas.
Dois sentimentos visitavam sua cabeça sempre que o assunto era o velho.
Primeiro repulsa. A doença. A velhice. A pobreza. Depois curiosidade. Um desejo
inexplicável de encontrar com o velho algum elo do passado.
- Fica aqui fio, qui'eu vô lá. Toma conta da Josina!
Ela saiu carregando uns remédios e umas coisas de
comer. Preocupação ficou com Quezinho. Mãe não voltava. Aprontou um mingau e
deu pra irmã que já esgoelava de fome. Era a primeira vez que a mãe ia lá no
rancho. Por que demorava tanto? Quando voltou, já noite, o garoto e a irmã
dormiam. Ela na rede de bambu, bem agasalhadinha e ele, todo encolhido de frio,
meio assentado meio deitado num degrau da porta da cozinha. Esperando.
Quando a mãe o acordou, com a lamparina na mão,
Quezinho viu que ela havia chorado. Tão inchados estavam seus olhos.
- Mãe, o que foi? Por que a senhora demorou tanto?
Ele morreu, mãe?
- Não fio, já melhorou. Ele tá dormindo agora...
- Então por que a senhora chorou?
- Bobage minino! Chorei não! Foi um cisco no oio!
O menino foi pra cama. Precupado. Várias vezes
acordou. Do seu quarto ouvia os soluços e os suspiros da mãe. O cisco no olho
devia estar doendo tanto que ela tava chorando. No outro dia pulou cedo da
cama. A mãe já tava na cozinha. Rosto inchado.
- Vai lá no Zé do Rancho levá isso pr'ele, fio!
Uma cesta. Bolo, biscoitos, frutas, verduras. Tantão
de coisas.
Quezinho encontrou o velho já de pé. Foi ver o
menino e Zé do Rancho começou a chorar. Alto. Os olhos dele também estavam
inchados. Deve ter chorado a noite toda, como a mãe. Menino entendia nada.
Olhos famintos de tanta interrogação. Mas o velho não explicou nada. Apenas:
- Um dia te conto fio...
A amizade entre os dois continuou firme por mais
algum tempo. Mas a saúde do amigo velho piorava. Um dia, já de tardinha,
inocentemente Quezinho fez a pergunta que lhe troturava a cabeça tempão danado.
- Sô Izé, o sinhô tem fio?
- Hã? Fio?... Tive... Tive fio... Famia...
- E por que o sinhô nunca me contô?
- Coisas que dói, fio... Mas naquela tarde quando
sua mãe veio aqui, prometi que ia falá pro'cê!...
- ???
- Num é por querença minha que vivo sozinho, fio. Faz
tempo qui'eu tinha minha casa, minha muié e meus fio. Dos sete que nasceu sobrô
cinco. Os dois morrero novim, novim. Eu sempre fui pobre. Nem dinheiro pra mode
comprar um remédio eu tinha. Vivia pegano impreitada pr'aqui e pr'ali. Fazia de
tudo que aparecia pra ganhá uns trocado pra mode tratá da mulecada. Era uma
famiage bonita. Todo mundo unido naquela pobreza toda. Chegou idade dos fio
estudá. Fumo pra cidade. Tinha que deixá eles lá enquanto continuava com as
minhas empreitada. Passava dias sem vê os meus fio. Muita sodade. Foram
cresceno. Estudano. E mudano. Foram virano gente da cidade. Naquele pobreza
toda e virano gente da cidade. Começaro a num ligá mais pr'eu, num importá cos
meus conseio, tê vergonha de mim...
- A mãe dexô eles a Deus dará. Num deu sistença.
Arranjô imprego, cumeçô a querê sê igual as muié da cidade. Só queria vestido
bunito, sapato c'aquele sartão, muito pó de arroiz na cara e batão nos beiço.
Nem aí pr'eu. Só mangava d'eu. Passô a comportá mal. Caiu na língua do povo. E
de muié direita, fio, ninguém fala. Se o povo falava é porque era verdade. Povo
num inventa. Povo só omenta. Contaro pra mim que o primero iscurregão dela foi
c'o prefeito. Home disonesto. Depois virô fila. Quarqué um que aparecia ela
topava. Num tinha quem quetasse a danura dela. Todos os velhos da cidade
passaram pela minha Lilica... Ela só num quiria eu. Muié quando perde a cabeça,
fio, num merece mais a gente. A gente dexa pra lá. Dá o disprezo. Faiz que num
liga, memo que por dentro o coração sangra de dô. Guentei isso tudo uns tempo
depois que fiquei sabeno. Só esperano minha Orora crescê. Morreno de trabaiá,
só viveno pra minha fia Orora qu'inda tava comigo.
- Orora, tadinha, a mais novinha, com treze ano
morreu. Tão carinhosa! Tão doce! Fico aguniado, com apertume no coração, quando
penso no que fizero co'ela. Foi achada mortinha no meio do cerrado. Ropinha
toda rasgada. Todinha machucada. Tantão de gente viu os treiz rapaiz da
granfinage carregano ela pro mato. Dissero qui'ela gritava, tadinha... Fui no delegado
fazê queixa. Diantô nada não. Ninguém foi preso, ninguém falô mais nada. E
ninguém devorveu minha filha. Morta tava, morta ficô. Pobre é igual cachorro
vira-lata, fio. Se morre, ninguém liga. Só trapaia quando fede. Se fedeu
interra mode num fedê mais... Depois qui'Orora foi imbora, pedaço de mim foi
co'ela. Virei istrupiço na vida, morreno cada dia um tantinho... Até chegá no
caco qui sô hoje.
- E o Onofre, fio? Nó!... Cê nem queira pensá. Largô
d'istudá infronhado co'as má companhia. Discubriu uma tal de maconha e depois
uns treco mais brabo. Dinheiro num tinha pra sustança da escravidão. Garrô a
robá. Puliça prindia e sortava o coitado. Prindia e sortava. Até que foi morto
c'um tiro na cacunda. Boato correu que foi a puliça. Ieu num sei. Só sei que
fiquei sem meu Onofre...
- Minha fia mais bunita era a Zina. Num tinha home
qui num oiava pr'ela. E foi a buniteza o mal dela. Numa noite de um baile, um
sábado, ela num vortô mais. Fez coisa errada e ficô com vergonha de vortá. Medo
d'eu tocá ela. Foi pra casa das muié sortera. Ganhava o de cumê vendeno o
corpo. Fui atrás dela montão de vez. Implorei pr'ela ir pra casa, largá aquela
vida... Mas não. Ela sempre foi teimosa. Um ano depois de entrá pra vida, a
última vez que vi ela, Zina tinha murchado. Belezura toda que tinha foi'imbora.
E mesmo passano dificuldade, ela num quiz vortá pra casa. Deixei de mão...
- Tinha otro fio, o Gapito. Era o mais véio. Minino
bão quisó! Mas foi o primeiro que começou a me dar trabaio. Niqui chegô na
cidade, passô nem um ano, garrô de mudá. Virô bebedô de cachaça. Teve vez que
carreguei ele na cacunda, rua a fora, todo mijado e cagado. Todo trolado.
Levava pra casa, limpava ele todim, tadim. Quando acordava, me insultava,
xingava, até me batê quiria. Isso durô até qui'ele sumiu. Gapito sumiu no mundo
e nunca mais deu notícia. Era o fio qui'eu sonhava de me ajudá a trabaiá pra
miorá de vida. O primero. Lencô. Deu in nada.
- É assim, a gente tem fio, faz o que pode pr'eles e
quando chega a hora deles oiá pra gente, dá tudo pa traiz. O juízo muda, a
cabeça tomem. Num segue os conseio dos mais véio e disgrama tudo...
Quezinho, com os olhos vermelhos, merejando água,
ouvia a história do amigo até sem piscar. Tão atento. Estava agora entendendo a
solidão do velho, desencantado com a família, o bem mais precioso de um homem,
desencantado com o mundo...
- Sô Izé, num era cinco fio que o sinhô tinha?
- Era, Quezinho, era cinco. A qui farta, qui'eu não
falei ainda, é a fia mais véia, que veio depois do Gapito. Menina inteligente.
Buniteza tinha tomem. Só que era mais franzina que a Zina. Mas tamem ela errô
na vida. Discabeciô. Vivia pr'aqui e pr'ali até que um dia fugiu com um
boiadeiro. Passei tempão danado sem sabê dela. Até que discubri ondé qui'ela
tava, sozinha c'um fio. O boiadeiro foi'imbora.
- Arrudiei a casa dela muito tempo. Mas nunca tive
coragem de chegar. Até trabalho ela me deu através do capataz. Como não
procurei ela e ela nunca me viu, não sabia quem eu era. Com o tempo resorvi que
não ia me dar a conhecer. Já tava bom ficar perto da fia. Só ela que sobrô... À
veiz escondia nas moitas na beira da estrada só pra ver ela passá. Aquele
cavalo bonito e ela toda bonita em cima dele. Um dia fiquei doente e ela mandou
organizá mutirão para fazer meu rancho. Esse aqui. De Zé Rosa virei Zé do
Rancho. Aqui estou tem muito tempo, mas até hoje minha Cremilda só veio me ver
uma vez!...
O velho sofria tanto enquanto falava e enxugava as
lágrimas que Quezinho também não conseguiu conter o pranto. Menino angustiado.
Tenso. De repente ele teve um sobressalto e gritou:
- Cremilda? O sinhô falô Cremilda, sô Izé?
- É fio. Cremilda mesmo! Mas todo mundo chama ela de
Milda por aqui!
- Então é a minha mãe?!...
- É fio... É sua mãe! E ocê é meu netinho! Benza
Deus!...
O menino pulou no colo do velho, chorando e rindo ao
mesmo tempo, lambuzando-se no sangue pisado e escuro do braço do avô. O velho
também chorava emocionado. Até que enfim, depois de tanto sofrimento na vida,
tinha se declarado ao único elo do que restou da família. Enfim sentia um resquício
daquela felicidade que experimentara nos tempos em que vivia com sua Lilica,
Agapito, Cremilda, Onofre, Zina, Aurora... Enfim, de tanto teimar com a pobreza
da vida, podia morrer. Pelo menos teria paz.
Naquela noite sofrimento do Zé Rosa foi grande. A
emoção que passou contando sua história pro neto para cumprir o que prometera à
sua Cremilda, que não tivera coragem de fazê-lo, fora demais. Teve pesadelos,
febre, muita tosse e perdeu muito sangue. Morreu ao amanhecer. Pobre como
nasceu. Empacado na vida.
Quezinho chorava lágrimas doídas, depois do enterro
feito às pressas, vendo o rancho do amigo avô pegando fogo. Tudo tinha que ser
queimado. Tuberculose é doença ruim. Passa fácil pros outros. Ninguém podia
entrar onde um tuberculoso viveu. Os micróbios se soltam do corpo e ficam na
cama, no chão, no teto e nas paredes esperando aparecer alguém para atacar.
O fogo mata tudo. Purifica.
Enquanto as labaredas subiam, Quezinho ia lembrando-se
de todas as histórias que o amigo contara. E ia calculando o seu sofrimento. O
Zé do Rancho terminou seu relato no seu último dia de vida. Esperou o quanto
pôde. Não quis levar a história do seu sofrimento consigo. Alguém tinha que
saber para passá-la adiante.
- Óia, fio, ocê era muito amigo dele, não?
- Era mãe. Ele era meu grande amigo.
- Pois é, fio. Num credita muito na história que ele
te contou não, viu?
- O quê? Mãe, ele era seu pai! E meu avô!
- Quá, fio! Nada disso! Ele era meio doido, ocê num
notava? Deixa pra lá!...
- Mas, mãe!...
- Óia, num teima! Ocê nunca conta pra ninguém o
qui'ele ti contô. Todo mundo vai ri d'ocê. Vai achá qui'ocê é bobo. Num quero
sabê de ocê contano essa história pros otros, heim? Se fizé isso, vai tê
castigo, certo?
- Tá bem, mãe, num vô contá... Nem que ele era meu
avô!...
Quezinho, ameaçado, silenciou. Mas não ia deixar a
história do seu velho amigo esquecida. Passou um bom tempo até que teve jeito e
coragem para passá-la adiante.
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